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Artigo – O STJ, a impenhorabilidade do bem de família e a boa-fé objetiva
06 DE JUNHO DE 2022
Em outras oportunidades já foram analisados os efeitos negativos (ou, podemos chamar de desincentivos) que determinadas decisões podem causar. No âmbito das relações locatícias, não é diferente.
Recentemente, a 4ª Turma do STJ julgou o REsp 1.789.505, no sentido de fixar entendimento de que “é impenhorável bem de família oferecido como caução em contrato de locação comercial”. Em seu voto, o ministro relator fez menção ao voto proferido pela ministra Nancy Andrighi, no REsp 1.873.594/SP, julgado em 2/3/2021, pela 3ª Turma, no seguinte sentido: “o legislador optou, expressamente, pela espécie (fiança), e não pelo gênero (caução), não deixando, por conseguinte, margem para dúvidas […]. Caso o legislador desejasse afastar da regra da impenhorabilidade o imóvel residencial oferecido em caução o teria feito, assim como o fez no caso do imóvel dado em garantia hipotecária (art. 3º, V, da Lei 8.009/90)”.
Ao fazer uma análise e comparação com o instituto da hipoteca, o ministro relator ainda fez uma ressalva, de que “mesmo nos casos de execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real, hipótese de afastamento da impenhorabilidade do bem de família expressamente prevista em lei (artigo 3º, inciso V, da Lei nº 8.009/90), a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça só tem admitido a penhora do bem de família hipotecado quando a garantia foi prestada em benefício da própria entidade familiar, e não em benefício de terceiro, sendo vedada a presunção de que a garantia fora dada em benefício da família, de sorte a afastar a impenhorabilidade do bem”.
Neste ponto, parece ser importante fazer uma primeira ressalva. No mesmo voto, o ministro relator, em um primeiro momento, faz menção a uma interpretação mais restritiva do disposto legal, no momento em que faz menção ao entendimento da ministra Nancy Andrighi. Afirma que, se o legislador quisesse igualar a caução à hipoteca e à fiança, o teria feito de forma expressa, no artigo 3º, incisos V e VII, da Lei nº 8.009/90.
Todavia, em um segundo momento, de forma totalmente contrária, faz menção a julgados do STJ sobre uma interpretação extensiva do mesmo artigo 3º, V, da Lei nº 8.009/90. Segundo o relator, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça só tem admitido a penhora do bem de família devidamente hipotecado quando a garantia foi prestada em benefício da própria entidade familiar e não em benefício de terceiro, sendo vedada a presunção de que a garantia fora dada em benefício da família, de sorte a afastar a impenhorabilidade do bem. Porém, não está prevista em lei tal delimitação.
O artigo 3º, V, da referida lei dispõe o seguinte: “Art. 3º — A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar”. Entende-se que, se levarmos em consideração uma interpretação mais restritiva (como a tida pela 4ª Turma do STJ ao julgar o REsp 1.789.505 que deu ensejo ao presente artigo), o legislador deixou claro que uma das exceções à impenhorabilidade seria, justamente, no caso do bem de família dado em hipoteca pelo casal ou entidade familiar. Porém, em momento algum, está mencionado ou condicionado que tal inciso V só seria aplicado caso a hipoteca fosse outorgada em prol ou em benefício da própria entidade familiar.
Pois bem.
Voltemos ao teor do REsp 1.789.505.
É de suma importância trazer ao leitor o intuito/objetivo da caução para, então, debatermos sobre o resultado do julgamento.
Para Sílvio de Salvo Venosa, caução é qualquer garantia para a realização de um direito [1]. Naquilo que interessa às obrigações, a caução é uma garantia que se apõe ao cumprimento das obrigações. Quando, por vontade da lei ou por vontade das partes, há necessidade de um reforço maior, as partes recorrem à caução. Para que se estabeleça a caução, é imprescindível a manifestação de vontade das partes. Ou seja, a autonomia privada passa a ter papel crucial. Consequentemente, a boa-fé objetiva também.
A caução pode se referir a bens móveis, imóveis, dinheiro ou títulos e ações, nos termos do artigo 38 da Lei do Inquilinato. Quando a caução versar sobre bens imóveis, fica claro no referido dispositivo legal que deva ser averbada à margem da respectiva matrícula do imóvel, nos termos do artigo 38, §1º. Nas palavras de Alexandre Junqueira Gomide, “a ausência de tais medidas (averbação da garantia na matrícula do imóvel) não implica, a princípio, a invalidade ou ineficácia da garantia entre os contratantes. A bem da verdade é que a ausência do registro e averbação implica ineficácia perante terceiros. Na prática, portanto, se há caução de um determinado imóvel, mas o contrato não é levado a registro, ela não possui efeitos reais e, portanto, não produz efeitos perante terceiros” [2].
Ou seja, fica claro que a ideia da caução é, justamente, garantir a obrigação do locatário em quitar os aluguéis perante o locador. Quanto a isso, não parece haver dúvidas. Dessa forma, existe a manifestação expressa da vontade através do contrato de caução, em que o garantidor coloca imóvel de sua propriedade para, justamente, garantir a sua própria dívida ou de terceiro(s). Com isso, baseado no princípio da boa-fé (objetiva) parece nítido que o intuito e a vontade do garantidor é de dar o bem em garantia para saldar/quitar eventual dívida em decorrência da inadimplência do contrato de locação. Consequentemente, tratando-se do bem de família, seria afastada toda e qualquer alegação de impenhorabilidade, sob pena de haver comportamento contraditório e, portanto, atentatório à boa-fé objetiva (denominado de venire contra factum proprium [3]). Essa é a problemática do presente artigo: poderia o garantidor valer-se desse comportamento contraditório? O presente entendimento é de que não.
Outros autores compartilham do mesmo entendimento, como o professor Alexandre Junqueira Gomide que, por sua vez, também sustenta que a impenhorabilidade do bem dado em caução ofenderia, justamente, o instituto do venire contra factum proprium [4].
Em outras palavras, parece ser atentatório ao referido princípio dar determinado bem em garantia (de natureza real, diante da averbação na respectiva matrícula) e, após, nos autos de ação judicial, alegar a sua impenhorabilidade.
Tais atos acabam ocasionando a criação de jurisprudência contrária e prejudicial ao próprio instituto jurídico da caução, diminuindo a sua importância e abrangência prática. Consequentemente, perde o mercado imobiliário como um todo, justamente em decorrência de entendimentos jurisprudenciais favoráveis a atos contraditórios, em prejuízo ao cumprimento das obrigações contraídas pelas partes. Dito de outro modo, a mensagem passada é a seguinte: estão autorizados comportamentos contraditórios, que possam, inclusive, prejudicar o adimplemento contratual.
Portanto, tal análise passa a ser fundamental tanto para a teoria como para a prática jurídica, tendo em vista que, em prol do respeito ao princípio da boa-fé objetiva, a manutenção da vontade das partes é crucial à manutenção dos contratos e da vontade expressamente declarada.
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