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Obras raras digitalizadas garantem acesso à memória do Brasil
04 DE JULHO DE 2022
A Biblioteca da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj) é o sonho de qualquer pesquisador. Uma das três maiores bibliotecas jurídicas do Brasil, ela possui acervo com 200 mil obras em português e línguas estrangeiras. Criada em 1890, como Biblioteca da Corte de Apelação do Distrito Federal, ela reuniu à época livros e documentos de diversas bibliotecas menores na, então, capital do país.
Em suas prateleiras, é possível encontrar inúmeras obras jurídicas, a coleção especial de obras raras, literatura afrobrasileira, livros em latim, catalão, húngaro e polonês e um espaço dedicado à arte e cultura. Além de obras em inglês, espanhol e francês, periódicos e acervo multimídia.
“Nós começamos a entender a nossa sociedade quando conhecemos a nossa história.” É assim que Marcos Rolim, servidor do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), começa a contar sobre o projeto de digitalização das obras raras da Biblioteca. O projeto foi o vencedor deste ano do Prêmio CNJ Memória do Poder Judiciário na categoria Patrimônio Cultural Bibliográfico.
A parte de obras raras fica separada em um ambiente mais protegido com controle de umidade e um sistema especial de proteção contra incêndios. São 2,4 mil obras raras e, até o momento, 200 estão digitalizadas. A digitalização é uma parceria com o Museu da Justiça do TJRJ, que possui o scanner especial capaz de digitalizar livros delicados. O critério de seleção foi a idade da obra e a importância do autor e do conteúdo para o mundo jurídico.
“Estamos felizes porque um material tão precioso está acessível na rede, aberto a estudiosos e interessados em geral. Não só a história da evolução dos códigos jurídicos, mas também dos costumes da sociedade brasileira estão nesses livros”, explica Marcos Rolim, citando como exemplo que a evolução do papel da mulher, desde o século XVI até os dias atuais, pode ser observada lendo as normas jurídicas.
Ordenações
Já disponível on-line na Biblioteca, as Ordenações foram o conjunto de leis aplicadas em Portugal que se estendiam ao Brasil Colônia. A primeira coletânea chamada “Ordenações” foi idealizada no reinado de Afonso V (1438 -1481). E o Código Afonsino, como ficou conhecido, dividia-se em cinco livros abordando bens e privilégios da Igreja, atos judiciais, direito privado, crimes e penas.
No entanto, o rei Dom Manuel I (1495-1521) quis imprimir sua marca, determinando a revisão das leis. E foram editadas, em 1514, as “Ordenações Manuelinas”. O Código Manuelino foi o responsável por adaptar a legislação portuguesa ao aumento territorial do reino devido às grandes navegações e vigorou até 1603. Foi a primeira legislação impressa no país. O Código Afonsino ainda era manuscrito.
O rei Filipe I (1580-1598), por sua vez, promoveu uma nova revisão. Elaboradas no seu reinado, as “Ordenações Filipinas” só passaram a valer com Filipe II (1598-1621), em 1603. O Código Filipino vigorou em Portugal até 1830 e no Brasil até 1916. Ele perdurou como norma geral de direito civil para os brasileiros por quase 315 anos.
Porém, após a proclamação da Independência, o uso do Código Filipino passou a sofrer críticas por sua dificuldade de interpretação e incompatibilidade com a realidade brasileira. A Constituição do Império de 1824 já recomendava a elaboração de um Código Civil e Criminal brasileiros. O que apenas ocorreu quase 100 anos mais tarde, em 1916.
A segunda página do exemplar “Ordenações Filipinas”, impresso em 1824, revela a ênfase dada ao ensino da norma e a sua observância no cotidiano: “Ordenará semelhantemente (o Professor) as suas Lições pela mesma ordem e serie dos Livros e Titulos da sobredita Compilação Fillipina; por ser esta a fonte Authentica das Leis, que se devem substanciar e explicar methodicamente aos Ouvintes; para mais os obrigar a que recorrão a ella; para auxiliar-lhes a memoria; e para facilitar-lhes o indispensável e continuo uso, que della deverão sempre fazer.”
Outros trechos retirados de “Repertório das Ordenações, e leis do reino de Portugal”, publicado em 1795, mostra um mundo bem diferente do atual:
- “Igrejas, e Ordens, não podem comprar bens de raiz (bens imóveis) sem licença d’ El-Rey.”
- “Imunidade da Igreja não vale ao Judeo, Mouro, ou outro algum infiel, salvo se se fizer Christão.”
- “Omissão de não fazer saber a El-Rei, que lhe vão contra sua jurisdição, se castiga com pena corporal, e pecuniária.”
Fotos: TJRJ
Rui Barbosa
Segundo Marcos Rolim, uma das obras raras que é orgulho da Biblioteca e já está digitalizada é o “Projecto do Codigo Civil Brazileiro”, de Rui Barbosa, famoso jurista e membro fundador da Academia Brasileira de Letras. Publicado em 1902, foi uma resposta ao “Projecto do Codigo Civil Brazileiro”, escrito por Clovis Beviláqua e também disponível on-line.
Em 1899, Epitácio Pessoa, ministro da Justiça na época, encarregou Clóvis Beviláqua, professor de legislação da Faculdade de Direito do Recife, da redação do anteprojeto do Código Civil brasileiro. A obra foi concluída no ano de 1900 e encaminhada ao Congresso Nacional. Mas só virou lei em 2016, após vários debates e disputas políticas entre juristas.
Rui Barbosa presidia a comissão do Senado incumbida de analisar o projeto e seu parecer foi entregue em 1902, com muitas críticas sobre a coesão gramatical e sintaxe do texto. “Já se vê que nesta iniciativa não tenho em mente desfazer nos serviços da comissão legislativa, que nos precedeu. Não participo da indignação, ou do desprezo, com que muitos os têm fulminado. (..) Antes quero, em vez de perder esforços numa resistência inutil, collaborar lealmente, com o pouco que posso, para a obtenção de algum resultado toleravel”, afirmou em seu parecer.
Cartas de Inglaterra (1896), também de Rui Barbosa, é outra obra encontrada em versão digital na Biblioteca da Emerj. São cartas escritas para o Jornal do Comércio durante o exílio em Londres. Em uma delas, ele manifesta sua visão sobre o famoso Caso Dreyfuss: “Custa a perceber o proveito da repulsiva scena celebrada sabbado na praça da Escola Militar. A degradação symbolica, nas leis militares, é uma relíquia da média idade, em que a investidura operava tambem por um ritual solemne.”
O julgamento do capitão do Exército francês Alfred Dreyfuss se revelou anos mais tarde ser uma fraude jurídica, mobilizou intelectuais relevantes do século XIX, como o escritor francês Émile Zola, e entrou para história.
Texto: Thayara Martins
Edição: Márcio Leal
Agência CNJ de Notícias
Esta matéria é parte de uma série especial que apresenta as iniciativas vencedoras do 1º Prêmio CNJ Memória do Poder Judiciário, entregue no dia 13 de maio de 2022.
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