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Processos antigos ajudam historiadora a reconstituir formação de Porto Velho
08 DE JULHO DE 2022
A história da formação de Porto Velho se mantém viva nos processos guardados no Centro de Documentação Histórica do Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO). O material permitiu à historiadora Ana Carolina Monteiro Paiva examinar as relações sociais da época em que a construção de uma ferrovia contribuiria decisivamente para a consolidação da futura capital do estado.
A dissertação “Trabalho e Cotidiano na Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (1907-1919)”, que defendeu para obter o título de mestra pela Universidade Federal da Paraíba (UPFB), também lhe valeu o Prêmio CNJ Memória do Poder Judiciário na categoria “Trabalho acadêmico ou científico”. Ela reconstituiu a vida social do começo do século naquela região amazônica a partir dos conflitos do cotidiano que chegaram ao Poder Judiciário. Muitos deles envolviam tensões entre autoridades, trabalhadores da Companhia Madeira-Mamoré Railway.
A empresa foi a responsável por construir a estrada de ferro para escoar a produção de borracha até os portos de Manaus e Belém e viabilizar a exportação de matérias-primas da floresta para mercados do Atlântico Norte. A empreitada atraiu para a região um fluxo migratório sem precedentes, das mais diversas origens e nacionalidades.
O acervo do TJRO guarda processos judiciais que datam de 1912, ano da criação da comarca de Santo Antonio do Rio Madeira. Porto Velho só se tornaria cidade sete anos depois, em 1919. E Rondônia deixaria de ser território federal para virar estado quase 70 anos mais tarde, em 1982.
Os 637 processos raros resgatados pela coordenadora do Centro de Documentação, Nilza Menezes, datam entre 1911 e 1930. Na época, o território hoje ocupado pelo estado de Rondônia pertencia em parte ao Mato Grosso e em parte ao Amazonas. O trabalho de preservação da memória do Judiciário envolveu encontrar, tratar, catalogar e sistematizar os autos originais dos processos em 145 caixas, que hoje se encontram à disposição de pesquisadores.
O recorte do estudo da historiadora Ana Carolina Monteiro Paiva abrangeu 284 fichas de resumo dos processos do catálogo. Em um dos mais antigos processos analisados, o capataz na limpeza da linha férrea, o espanhol Francisco Souto Vasquez denunciou a extorsão que alegava ter sofrido do mestre de linha, nascido nos Estados Unidos e identificado como Mr. Brayn, que estava armado com um rifle.
Não houve desfecho para a ação judicial, iniciada em 1912, uma vez que o agressor jamais foi encontrado – incidente comum em muitos processos -, tendo fugido para a floresta, de acordo com relatos. Os autos indicam de que um acordo verbal entre os dois previa a partilha de determinada quantia. Embora o dinheiro tivesse procedência desconhecida, referências bibliográficas sobre o modelo anglossaxônico de organização do trabalho indicam que o mais provável era de que os valores foram desviados pelo capataz do pagamento devido a outros trabalhadores.
“Trata-se de uma documentação do ano de conclusão da ferrovia – portanto, raro – que aborda acordos financeiros estabelecidos entre trabalhadores, fora da competência da empresa construtora, e que coloca em evidência as condições de vida e trabalho distintas, marcadas pela hierarquia, característica principal da construção da ferrovia e responsável por muitos conflitos entre trabalhadores”, afirma Ana Carolina.
Ela complementou sua pesquisa com uma variedade de fontes históricas, como literaturas de viagem, poemas, produções acadêmicas – dissertações, teses, artigos e livros –, relatos memorialísticos, jornais e periódicos, relatórios científicos e catálogos fotográficos.
A história nos conflitos
Uma das disputas relacionadas às atividades de construção da ferrovia registrada na dissertação se originou devido à falta de pagamento do que são atualmente de “verbas rescisórias”. Dois trabalhadores gregos demitidos emboscaram e assassinaram a tiros o mestre de linha que lhes devia e quatro outros homens que o acompanhavam. A organização do trabalho gerava frequentes episódios de violência, com relatos de maus-tratos a trabalhadores e abusos de poder por parte dos quadros mais altos na hierarquia.
“O chefe dos guardas, Manoel Serafim, ao abrir uma queixa sobre o comportamento criminoso de agressão física que sofrera, trouxe à tona outras denúncias que colocavam sua própria conduta como transgressora e desviante”, conta Ana Carolina. “Manoel havia abusado do seu poder como chefe dos guardas demitindo sem justa causa e tratando com rudeza seus subordinados, chegando a açoitar um trabalhador.”
O mergulho em uma era tão distante foi viabilizado principalmente pela digitalização do acervo histórico do TJRO. Natural de Rondônia, a historiadora esteve pessoalmente no Centro de Documentação Histórica, onde fez um levantamento prévio dos processos cíveis e criminais entre 1914 a 1919 nas seções de Santo Antônio do Rio Madeira e Porto Velho, duas comarcas que sofreram impacto social da construção da Madeira-Mamoré.
No entanto, como vive atualmente na Paraíba, ela contou com a disponibilidade da equipe do Centro de Documentação Histórica, que atendeu as suas solicitações de leitura dos autos dos processos selecionados. Praticamente metade dos processos que foram analisados para a tese foram lidos no computador da pesquisadora, em João Pessoa, a 4,2 mil quilômetros de distância.
“Sou totalmente a favor e incentivo que a pesquisa seja feita presencialmente. É importante para a formação do pesquisador ter essa experiência no arquivo. Mas principalmente com o corte de verbas para a pesquisa, fica inviável que todo o processo seja feito presencialmente. Portanto, é preciso que livros raros e fontes históricas sobre Rondônia também sejam disponibilizadas em formato digital para promover a circularidade desse material e proporcionar que pesquisadores de diferentes partes do mundo possam ter acesso de forma mais fácil”, defende a pesquisadora.
Texto: Manuel Carlos Montenegro
Edição: Márcio Leal
Agência CNJ de Notícias
Esta matéria é parte de uma série especial que apresenta as iniciativas vencedoras do 1º Prêmio CNJ Memória do Poder Judiciário, entregue no dia 13 de maio de 2022.
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